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Corporate venture building: um excesso, a falta e o ataque

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Entenda por que grandes empresas têm tanta dificuldade para construir novos negócios – e o que elas podem fazer a respeito

POR BRUNO STEFANI
Fonte: MIT SLOAN MANAGEMENT REVIEW BRASIL

Cada vez mais, os conselhos de administração e lideranças seniores de grandes empresas estão discutindo a criação de novas oportunidades de negócios. Diversas projeções, pesquisas de mercados e planos de negócios têm sido feitas por essas organizações. Esse movimento acontece pois os executivos vêm assistindo à ascensão de startups equipadas com tecnologia de última geração, capitalizadas por fundos de venture capital e com modelos de negócios completamente novos e desafiadores, alterando a lógica de setores inteiros, um a um.

Temos visto grandes empresas irem à falência por não conseguirem responder adequadamente à proliferação de startups de sucesso que causam ruptura com técnicas completamente novas. Isso faz com que os executivos tenham de explicar para seus acionistas por que suas empresas estão perdendo valor de mercado.
Os mesmos acionistas que não conseguem acompanhar as tecnologias emergentes, mudança do comportamento do consumidor e reinvenção dos modelos de negócios para trazer tais conceitos para dentro das empresas.

olho pagina venturebuildEsse cenário faz com que encontremos histórias como a de um colombiano que chegou no Brasil em 2013, vindo do Vale do Silício, para encontrar startups passíveis de investimento de capital de risco. O que ele descobriu foi uma oportunidade de mercado gigantesca: criar um serviço financeiro centrado na experiência do consumidor e com um produto digital muito mais fluido que os bancos em operação naquele momento. Essa ideia se provou bem-sucedida no piloto e virou um banco digital, avaliado como o maior banco da América Latina em dezembro de 2021, quando abriu seu capital na bolsa de valores de Nova York. Caso o leitor não tenha identificado, essa é a história do Nubank.

Essa história é importante sobretudo por levantar um questionamento importante: por que os grandes bancos do País na época, que possuíam talentos, capital, marca, conhecimento profundo do setor, tecnologia, canais de distribuição e, principalmente, milhões de clientes, não conseguiram fazer algo parecido?

as empresas ja entendem a relevancia de construir novos negociosO boom das startups e histórias como a do Nubank estão fazendo com que a maneira que nos locomovemos, vemos televisão, consumimos conteúdo ou mesmo pedimos comida mudem para sempre. Em um mundo cada vez mais digital, as barreiras de entrada são cada vez mais baixas, as fontes de financiamento estão mais disponíveis e os modelos de negócios mais criativos.

Startup Ranking de 2022 aponta que mais de 131 mil empresas do tipo estão em operação em todo o mundo. Cerca de 10% desse total está no Brasil, um número 20 vezes maior do que o de dez anos atrás.

Enquanto isso, companhias tradicionais veem seu ciclo de vida e valor de mercado ameaçados. O índice S&P 500 nos anos 1970 mostra que a média de idade das companhias listadas na Bolsa de Nova York era de 36 anos e, até 2028, deve cair para 15 anos. O número de empresas de tecnologia na lista das mais valiosas também comprova a mudança de rumo: de 16, em 1969, saltou para 68.

Uma parte nem sempre contada dessa história é que inovação não é exclusividade de startups. Empresas estabelecidas também conseguem criar e escalar novos negócios para explorar oportunidades e se manter competitivas.

A AWS, operação de serviços de computação em nuvem desenvolvida pela Amazon, contribuiu com 13% da receita e 100% dos lucros da empresa no quarto trimestre de 2021. A Nespresso, empresa da Nestlé dedicada ao café expresso, faturou mais de US$ 6 bilhões em 2020. O Zé Delivery, novo negócio de entrega de bebidas por aplicativo fundado pela Ambev, fez 29 milhões de entregas no primeiro semestre de 2021. Todos são exemplos de novos negócios criados em grandes empresas de maneira bem sucedida e escalável.

Uma pesquisa feita pela McKinsey com executivos globais em 2021 mostrou que a criação de novas fontes de receita é a maior prioridade das grandes empresas, conforme gráfico nesta página.

A criação de novos negócios dentro de grandes empresas pode acontecer de diversas maneiras. Abaixo, descrevo algumas das principais abordagens que as empresas podem adotar para gerar novos negócios: 

Inovação interna. A empresa pode criar uma equipe de inovação interna, formada por funcionários da própria companhia, para desenvolver novos produtos, serviços e/ou processos. Essa equipe tende a ter, na maioria dos casos, uma estrutura independente, com orçamento, equipe e outros recursos próprios, e trabalhar em projetos de inovação que fluem em paralelo às atividades regulares da empresa.

os veiculos de inovacao corporativa

Aquisição de startups. Uma maneira frequente de criar novos negócios é por meio da aquisição de startups que possuam tecnologias ou modelos de negócio complementares aos da empresa. Nesse caso, a companhia pode adquirir a startup inteira ou apenas algo dela – como a tecnologia – e incorporar a seu portfólio de produtos e serviços.

Investimento em startups. Em vez de adquirir startups, a empresa pode optar por investir em startups em estágio inicial. Esses investimentos são feitos diretamente pela empresa ou por meio de um fundo de investimento corporativo.

Parcerias estratégicas. Uma empresa pode firmar colaborações estratégicas com outras organizações, como startups ou instituições de pesquisa, para desenvolver novos negócios conjuntamente. Essas parcerias são formadas com o objetivo de compartilhar recursos, tecnologias e também conhecimentos.

Independentemente da abordagem adotada, é importante que a organização tenha um processo estruturado para gerar e avaliar novas oportunidades de negócio. Vale lembrar, entretanto, que entre os diferentes veículos de inovação corporativa, existe uma diferença de complexidade, conforme se observa na figura acima.

Se existem tantos modelos e ferramentas já testados, resta uma pergunta que não quer calar: O que impede a criação de novos negócios em empresas estabelecidas?

Com base em experiência prática na área de inovação, digo sem medo de errar que há diversas respostas possíveis. No entanto, eu me atrevo a destacar, e analisar, três desses fatores, que considero os mais críticos e recorrentes de todos.

1) Existe um “excesso” de governança corporativa
A governança corporativa mais organizada pode afetar negativamente a capacidade de grandes empresas de criar novos negócios de várias maneiras. Basta lembrar que é algo com que as startups independentes não lidam.

Em primeiro lugar, a governança corporativa, quando excessiva, pode levar a um processo decisório mais lento e burocrático. As grandes empresas podem ter várias camadas de hierarquia e comitês, cada um com seu próprio conjunto de regras e procedimentos. Isso pode tornar difícil para as equipes de inovação e empreendedorismo implementarem novas ideias rapidamente, especialmente se essas ideias requerem investimentos significativos ou envolvem riscos substanciais. Além disso, a empresa pode criar uma cultura organizacional que desencoraja o risco e a experimentação. Se os gerentes são avaliados principalmente com base na conformidade com as políticas e procedimentos existentes, eles podem ser menos propensos a apoiar ideias que envolvam desvios dessas normas.

Por fim, atração de talentos criativos e empreendedores. Os profissionais mais inovadores podem preferir trabalhar em empresas que valorizam a experimentação e a liberdade para perseguir novas ideias, em vez de seguir rigidamente as políticas estabelecidas.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CORPORATE VENTURING

O fato de os gestores das incumbentes terem muito a perder vem impedindo um salto maior

“O ‘corporate venturing’ tem sido objeto de pesquisa da academia desde pelo menos 1985 – acredito que há alguns estudos em Stanford já em 1983. Portanto, a ideia de que a empresa incumbente pode – e, em alguns contextos, deve – criar novos negócios não é nova. O que me parece novo é o entendimento da relevância do tema.”
Em um podcast produzido pela MIT Sloan Review Brasil, o especialista Maximiliano Carlomagno, sócio-fundador da consultoria Innoscience, conversou com o autor deste artigo, Bruno Stefani, sobre a evolução do conceito de corporate venturing, o pai do corporate venture building descrito neste artigo. Na visão do consultor, o venture building nasce no momento em que entra no jogo a figura do habilitador de inovação (innovation enabler, em inglês), que pode ser uma consultoria, uma aceleradora, um startup studio. E esse habilitador ajuda a montar um ecossistema bem mais complexo para fazer acontecer a inovação.

O corporate venture building trata de juntar um conjunto maior de atores para montar o quebra-cabeças do corporate venturing, ou seja, o quebra-cabeças que é o processo de uma empresa incumbente explorar novos negócios. Como explicou Carlomagno, isso é um quebra-cabeças porque a empresa estabelecida tem uma série de instrumentos a sua disposição e pode articulá-los da melhor maneira. Ela consegue inovar utilizando recursos internos ou colaborando com recursos externos, pode virar sócia de startups, fazer isso em joint venture com outra empresa tradicional, estabelecer um acordo com uma universidade ou instituto de pesquisa etc. As opções são muitas.

O problema talvez seja que o conceito evoluiu, bem como evoluiu o formato das peças que o integram, mas não houve evolução em todas as áreas, mais notadamente no tomador de decisões e no modelo de gestão.

O desafio do tomador de decisões
Hoje um líder de um novo negócio corporativo é visto pelo mercado mais ou menos como um founder de startup. Ambos seriam empreendedores, apenas o empreendedor corporativo é chamado de intraempreendedor. No entanto, esses dois personagens vivem circunstâncias completamente distintas. “A diferença principal é que, para o executivo que toma as decisões do corporate venturing, não vale o que disse o Bob Dylan na música Like a Rolling Stone: ‘When you ain’t got nothing, you got nothing to lose’ (quando não tem nada, você não tem nada a perder)”, explicou Carlomagno. Os executivos das empresas incumbentes que querem criar novos negócios e tomam as decisões relativas a eles têm muito a perder – por exemplo, ao assumir o risco de passar a equipe do novo negócio de 10 pessoas para 500. Se der errado, ele talvez perca o que sua função estável lhe dá, incluindo muitos confortos, como carro do ano, viagens etc., diz o especialista da Innoscience.

Além disso, na hora de explorar um novo e incerto negócio, ainda não criaram um mecanismo evidente que permita ao executivo estimar o ganho. “Não há algo que o autorize a assumir um risco sabendo que os potenciais ganhos não são duas vezes maiores e sim cem vezes maiores”, disse Carlomagno. Se houvesse esse mecanismo, ele incentivaria as pessoas a correrem risco, porque sua aversão à perda seria suplantada por sua ambição. Sem dúvida, essa é uma desvantagem enorme do profissional da empresa incumbente em relação ao fundador de uma startup clássica.

O desafio do modelo de gestão
O time da venture interna, que é o novo negócio em estágio embrionário, tem de enfrentar uma burocracia que uma startup independente nunca sonharia em enfrentar, uma vez que ele tem uma série de interfaces na organização. Esse time se relaciona normalmente com quatro ou cinco atores organizacionais – com a área de inovação que está articulando a movimentação; com o corporativo; com o RH; com o departamento financeiro e, muitas vezes, com alguma unidade de negócios específica (quando o novo negócio é mais adjacente). “Esse time tem que articular todo mundo, imagina o trabalho?”, disse o especialista da Innoscience no podcast.

Engajar os interlocutores dá muito trabalho. Normalmente, a área de inovação está mais engajada do que os outros, e é preciso colocar todos na mesma página. Além disso, cada interlocutor faz uma arbitragem, para não pender nem para apoio demais ao novo empreendimento nem de menos. Caberia à alta gestão dar esse tom, porém a verdade é que isso nem sempre acontece. (Redação MIT SMR)

2) Falta uma estratégia de inovação contínua

A falta de estratégia de inovação pode atrapalhar a criação de novos negócios em grandes empresas por algumas razões:

Perda de oportunidades. A empresa pode não estar atenta às tendências de mercado ou às necessidades dos clientes, perdendo oportunidades de criar novos produtos ou serviços.

Falta de recursos. A inovação muitas vezes requer investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e a empresa pode não estar disposta a alocar os recursos necessários.

Resistência à mudança. Empresas podem ser resistentes a mudanças e inovações que ameacem os modelos de negócio existentes. Com bastante frequência, companhias mostram não estar preparadas para lidar com a mudança e se adaptar às novas condições do mercado.

Falta de colaboração. A inovação muitas vezes requer a colaboração entre diferentes departamentos e equipes dentro da empresa. Em muitos momentos, pode ser difícil para as equipes trabalharem juntas e compartilharem ideias de maneira eficaz.

Portanto, é essencial que as grandes empresas tenham uma estratégia clara de inovação para garantir a sobrevivência e o sucesso no mercado em constante evolução.

3) O ataque ao negócio principal não é autorizado e/ou incentivado

Existe uma máxima no mercado que diz o seguinte: “se você não tentar disfrutar seu negócio, alguém o fará”. Entretanto, por que é tão difícil fazer isso? Simples, remuneração da liderança.

Estimulados pela remuneração, os líderes da empresa muitas vezes tendem a se concentrar em projetos que produzem resultados imediatos e lucrativos, em vez de priorizarem projetos que podem levar mais tempo para se desenvolver, porém gerar mais receita no futuro.

Além disso, quando os executivos e gerentes são recompensados por resultados imediatos, eles podem se tornar mais conservadores e relutantes em assumir riscos, o que pode impedir a empresa de investir em novos projetos ou que possam ter um potencial de crescimento significativo.

Por fim, a remuneração focada em resultados de curto prazo pode incentivar os líderes da empresa a adotar uma abordagem mais agressiva para cortar custos e aumentar a eficiência, o que pode resultar em uma falta de investimento em recursos humanos e outras áreas chave para o sucesso da empresa em longo prazo.

NESTA INTERCONECTADA ECONOMIA DE PLATAFORMA, em que as empresas buscam ou criar ou orbitar um ecossistema de negócios, o corporate venture building lhes permite criar novos empreendimentos de dentro para fora com seus próprios recursos e conhecimentos; desenvolver soluções inovadoras para preencher lacunas no mercado; fortalecer sua posição no ecossistema.

É preciso prestar atenção. De muitas maneiras, o corporate venture building está moldando o futuro das empresas.

SOBRE O AUTOR

Bruno Stefani é conselheiro de inovação de grandes empresas e professor da Fundação Dom Cabral e do Insper.
Tem dez anos de experiência trabalhando com inovação corporativa, tendo atuado como diretor global de inovação da AB InBev e com inovação aberta no Banco Itaú.

PRINCIPAIS TAKEAWAYS
*A necessidade de criar novos negócios é cada vez mais reconhecida pelas empresas incumbentes e já há mecanismos para fazê-lo. No entanto, a maioria dessas empresas ainda fracassa na empreitada.

* Entender as três principais razões pelas quais isso ocorre e agir para neutralizá-las pode mudar o quadro: há um “excesso” de governança corporativa, falta uma estratégia de inovação adequada e o ataque ao negócio principal não é incentivado (e nem mesmo autorizado).

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