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Novembro Negro: o que os números mostram sobre diversidade étnico-racial no ecossistema de startups?

Novembro Negro: o que os números mostram sobre diversidade étnico-racial no ecossistema de startups?

Ainda que o ecossistema de startups brasileiro caminhe pouco a pouco quando o tema é diversidade racial, mudanças substanciais já são aparentes

O mercado brasileiro, nos últimos anos, começou a direcionar o olhar para como o racismo estrutural e a falta de alinhamento das organizações às práticas internacionais de mercado impedem que pessoas negras alcancem a ascensão profissional. Esse movimento fez com que inúmeras empresas, no ano passado, criassem ou ampliassem seus programas de contratação de pessoas negras, além de irem em busca de consultorias para a criação de culturas de diversidade e inclusão.

No universo das startups, mesmo com um longo caminho à frente, as empresas lideradas por pessoas negras estão avançando em seus ecossistemas. Dados do BlackOut — Mapa das Startups 2021, um estudo inédito promovido pela BlackRocks, mostrou que, das 2.751 lideranças ouvidas, uma em cada quatro pessoas se declarou preta ou parda. Maitê Lourenço, CEO da BlackRocks, afirmou em entrevista ao Pequenas Empresas & Grandes Negócios que “o acesso à educação e à tecnologia são capazes de tirar a população negra desse eixo de continuidade das consequências da escravidão e levá-la para outro patamar”.

Na mesma entrevista, Renata Mendes, diretora de relações institucionais e governamentais da Endeavor Brasil, diz que “o ecossistema todo ganha quando uma empresa cresce e multiplica seu impacto pelo país. Mas esse impacto não pode e não deve seguir sendo liderado apenas por fundadores brancos, especialmente em um país onde a maioria das pessoas é negra”. No fim, as startups continuariam repetindo padrões estruturais e penalizando o acesso e a representatividade racial, indo na contra-mão daquilo que é discutido há mais de dez anos a nível internacional: a inclusão e a diversidade como motores de inovação.

Afroempreendedorismo brasileiro

Estudos apontam que o racismo institucional é um dos grandes fatores do atraso econômico do país. Ainda assim, a comunidade afro-brasileira sempre teve um potencial de inovação eminente, sendo, por exemplo, pionera em projetos de crowdfunding, isso em 1832 com a Sociedade Protetora dos Desvalidos, em Salvador, que tinha como objetivo acolher, dar suporte emocional e gerar riqueza entre os negros libertos. 

E se o afroempreendedorismo teve como base a necessidade, nos dias de hoje o cenário já não é mais o mesmo. Um artigo da Forbes mostra dados da pesquisa Empreendedorismo Negro no Brasil, realizada em 2019, que relevam um cenário distinto do imaginário popular: 31,1% dos entrevistados concluíram o ensino superior e 39% tem renda familiar acima de R$ 5 mil. Além disso, 54% dos negócios são formalizados e 58% deles têm uma sólida organização financeira.

Já no mundo das startups, por outro lado, o Mapeamento de Comunidades 2020, organizado pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups), apontou que apenas 5,8% dos fundadores são declarados negros e, destes, 12,6% são mulheres. Outros dados, divulgados pela Folha de S.Paulo, mostram que existe uma disparidade entre o discurso de diversidade e as reais práticas do ecossistema brasileiro. Mesmo com cada vez mais notoriedade internacional e visibilidade econômica, das quase 14 mil startups mapeadas no Brasil, 60,7% delas não têm nenhum ação voltada para diversidade e inclusão e em 31,2% delas não há colaboradores negros.

No contexto de inovação, negócios de diversos portes começaram a adotar práticas de ESG (Environmental, Social and Governance, em inglês), conceito que busca alinhar as atividades organizacionais com as melhores iniciativas de sustentabilidade, governança e responsabilidade social com o objetivo de tornar essas empresas mais competitivas e, consequentemente, com um melhor desempenho financeiro. Nisso, entram ações de diversidade e inclusão, fatores capazes de gerar inovação nos ambientes corporativos.  Entretanto, os mesmos dados da Folha apontam que a maioria das startups brasileiras (56,1%) ainda não aderiram a essas práticas.

Diversidade algorítmica

Liliane Rocha, CEO da consultoria de diversidade Gestão Kairós, em entrevista à Forbes, diz que o setor de tecnologia é indispensável na promoção de uma sociedade mais inclusiva, isso porque “[…] com consciência racial e decisão de ingressar como protagonista na luta antirracismo, as empresas de tecnologia podem acelerar a curva de mudança e contribuir para que, ainda nessa geração, o Brasil seja, verdadeiramente, o país da diversidade”.

Contudo, diversas são as barreiras que pessoas negras enfrentam para alcançarem um espaço no mercado de tecnologia. De acordo com o levantamento Potências Negras Tec, realizado entre junho e julho deste ano, um dos principais motivos para que pessoas negras não se interessem pela área é a exigência de língua inglesa, além do alto investimento dos cursos de tecnologia. Ainda, o estudo aponta que 59% dos negros não trabalham na área de tecnologia, mas têm interesse em atuar nela. 

Silvana Bahia, pesquisadora em Cultura e Territorialidades da UFF, explica que por serem compostas, majoritariamente, por homens brancos heterossexuais, as empresas de tecnologia acabam criando máquinas e sistemas baseados em uma única visão de mundo, acarretando em opressões que integram também o mundo digital. Ações de reparação são apenas o primeiro passo das organizações em suas jornadas antirracistas.

Empresas diversas têm um maior potencial de inovação

Ambientes de trabalho não diversos carregam sérios problemas organizacionais, tais como a alta ocorrência de conflitos, um menor engajamento dos colaboradores e, consequentemente, a insegurança entre os trabalhadores, o que gera uma alta taxa de rotatividade.

Nesse cenário, não é novidade que ações de diversidade e inclusão são cruciais para a promoção de um ambiente de trabalho mais colaborativo e aberto, além de melhorarem a imagem da empresa no mercado, já que os consumidores estão cada vez mais atentos e exigentes quanto às práticas empresariais. Mas simplesmente contratar mais pessoas negras não é o suficiente.

Para empresas já consolidadas, é necessário investir em uma cultura organizacional que reflita a total inclusão dos talentos. Mais do que isso, é necessário ir a fundo e entender as reais barreiras que impedem que pessoas negras ocupem cargos em todos os níveis empresariais e, com isso, gerar oportunidades para que homens e mulheres negros sejam capazes de desenvolver suas habilidades.

Por outro lado, para as startups em fase inicial, que muitas vezes são lideradas apenas por duas ou três pessoas e que ainda não dão lucro, a diversidade étnico-racial pode ser uma futura aliada. Com a formulação de um modelo de negócio sólido, questões como diversidade e inclusão podem ser os pilares que sustentarão as operações do negócio quando a empresa tracionar e iniciar seu processo de expansão de time.

Num país em que mais da metade da população se declara negra, não enxergar essa população como protagonista, sobretudo na área tecnológica, é, no mínimo, discrepante. Grandes empresas e startups precisam, antes de tudo, reconhecer sua função social e reestruturar a mentalidade de todos que integram os times para que haja mudanças realmente significativas.

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